"Virada Cultural entre Folhas Secas" (por Fernanda Cury)
Programei-me para aproveitar cada minuto da virada cultural. Combinei com um amigo de assistirmos a alguns shows, como Gal Costa, Marina de La Riva e Zé Ramalho, mas ele abandonou nossos planos e resolveu curtir uma formatura.
Sem companhia, resolvi mudar meu roteiro. Assistiria a algumas peças teatrais (Prêt À Porter e Navalha na Carne) e a alguns espetáculos de dança. Deixei que meus pés me levassem até o Sesc Consolação, enquanto a minha mente se ocupava com os tumultos internos das últimas semanas. Mas quando lá cheguei, "dei com os burros n'água": não havia mais ingressos...
Não desisti... Coloquei um tênis e percorri toda a Paulista, até chegar ao Sesc, onde vim a saber que os lugares para "Navalha na Carne" também tinham se esgotado... Resolvi arriscar-me e assistir ao "Flores Vermelhas", uma apresentação de butô, dança oriental que tem como um de seus criadores o famoso Kazuo Ohno.
Impressionou-me a expressão corporal e facial do artista que, vestido com um blazer crú e uma pantalona de voal, tinha o corpo forrado de folhas secas, que foram sendo espalhadas pelo palco, como se o dançarino fosse uma árvore a se desfazer no outono...
Não sei, ao certo, se o fato de minha alma estar em frangalhos, naquele sábado à noite, não me influenciou a rotular o espetáculo "triste"... Era como se o dançarino quisesse expressar suas dores internas, colocá-las para fora com o intuito de livrar-se delas... Para isso, gemia, tremia, tinha espasmos, suava em bicas... Soltava ruídos, palavras sem nexo, sons esquisitos, sorrisos desbotados de alguém que se entregou à loucura diante da realidade nua e crua...
A apresentação levou-me a ficar ainda mais introspectiva, tentando compreender não apenas as minhas dores, mas as dores de todo o mundo... O espetáculo acabou e eu fiquei ali, mais um tempo, imóvel... Depois, atraída pelo cenário interessante do local, uma atmosfera de mistério, decidi percorrer o salão, onde deliciei-me não apenas com as apresentações de Kazuo em telões, mas também com as roupas (quimonos, vestidos) e acessórios (chapéus, sapatos) utilizados pelo mestre do butô.
Passeei pelo salão, na penunbra, tentando equilibrar-me em seu chão irregular que parecia refletir nossa própria vida em relevo (altos, baixos, retas, curvas...). Emocionei-me com a coleção de chapéus que amo... Contornei os vestidos pendurados, como se dançasse com eles... E pude saborear as palavras do mestre que foi sempre puro sentimento expresso através do corpo...
Reproduzo uma de suas frases de que mais gostei:
"As feridas do nosso corpo fecham e se curam
mas existem as feridas escondidas, aquelas do coração.
Se você souber aceitá-las,
descobrirá a dor e o prazer que são impossíveis expressar com palavras.
Você encontrará a realidade poética
que só o corpo pode expressar." (Kazuo Ohno)
Espero que possam beber dessas palavras e que busquem (como tenho buscado), uma forma de expressar, através da arte, as feridas, as folhas secas e vermelhas que fazem parte de nossa própria existência.
Programei-me para aproveitar cada minuto da virada cultural. Combinei com um amigo de assistirmos a alguns shows, como Gal Costa, Marina de La Riva e Zé Ramalho, mas ele abandonou nossos planos e resolveu curtir uma formatura.
Sem companhia, resolvi mudar meu roteiro. Assistiria a algumas peças teatrais (Prêt À Porter e Navalha na Carne) e a alguns espetáculos de dança. Deixei que meus pés me levassem até o Sesc Consolação, enquanto a minha mente se ocupava com os tumultos internos das últimas semanas. Mas quando lá cheguei, "dei com os burros n'água": não havia mais ingressos...
Não desisti... Coloquei um tênis e percorri toda a Paulista, até chegar ao Sesc, onde vim a saber que os lugares para "Navalha na Carne" também tinham se esgotado... Resolvi arriscar-me e assistir ao "Flores Vermelhas", uma apresentação de butô, dança oriental que tem como um de seus criadores o famoso Kazuo Ohno.
Impressionou-me a expressão corporal e facial do artista que, vestido com um blazer crú e uma pantalona de voal, tinha o corpo forrado de folhas secas, que foram sendo espalhadas pelo palco, como se o dançarino fosse uma árvore a se desfazer no outono...
Não sei, ao certo, se o fato de minha alma estar em frangalhos, naquele sábado à noite, não me influenciou a rotular o espetáculo "triste"... Era como se o dançarino quisesse expressar suas dores internas, colocá-las para fora com o intuito de livrar-se delas... Para isso, gemia, tremia, tinha espasmos, suava em bicas... Soltava ruídos, palavras sem nexo, sons esquisitos, sorrisos desbotados de alguém que se entregou à loucura diante da realidade nua e crua...
A apresentação levou-me a ficar ainda mais introspectiva, tentando compreender não apenas as minhas dores, mas as dores de todo o mundo... O espetáculo acabou e eu fiquei ali, mais um tempo, imóvel... Depois, atraída pelo cenário interessante do local, uma atmosfera de mistério, decidi percorrer o salão, onde deliciei-me não apenas com as apresentações de Kazuo em telões, mas também com as roupas (quimonos, vestidos) e acessórios (chapéus, sapatos) utilizados pelo mestre do butô.
Passeei pelo salão, na penunbra, tentando equilibrar-me em seu chão irregular que parecia refletir nossa própria vida em relevo (altos, baixos, retas, curvas...). Emocionei-me com a coleção de chapéus que amo... Contornei os vestidos pendurados, como se dançasse com eles... E pude saborear as palavras do mestre que foi sempre puro sentimento expresso através do corpo...
Reproduzo uma de suas frases de que mais gostei:
"As feridas do nosso corpo fecham e se curam
mas existem as feridas escondidas, aquelas do coração.
Se você souber aceitá-las,
descobrirá a dor e o prazer que são impossíveis expressar com palavras.
Você encontrará a realidade poética
que só o corpo pode expressar." (Kazuo Ohno)
Espero que possam beber dessas palavras e que busquem (como tenho buscado), uma forma de expressar, através da arte, as feridas, as folhas secas e vermelhas que fazem parte de nossa própria existência.