quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O universo feminino da Huis Clos.






Sara Kawasaki, estilista da marca Huis Clos, trouxe à passarela um baile de máscaras, inspirado nos signos que povoam a alma feminina e todas as questões indissociáveis do universo das mulheres.
A complexidade destes seres de "Vênus" veio mostrada através de uma escolha muito ajustada de tecidos que primam pela qualidade (renda, lã, brilhos de cristal, lamê, malha lamê, naylon). Esses materiais se misturavam nas diversas peças, criando texturas distintas e recortes geométricos, trazendo uma coleção muito contemporânea que mescla referências esportivas, fetichistas e de alfaiataria, em uma única peça.
Foi um desfile elegante, mas, ao mesmo tempo jovial, que trouxe volumes mais pronunciados na parte de cima (tronco e mangas), equilibrados por shorts curtos e justos, calças e vestidos bem confortáveis, que mesclavem a matéria prima nas cores preto, cinza, arroxeado e esverdeado, sob a trilha sonora de Max Blum.

Reconstrução de Brasília por Maria Bonita.




Para se criar uma identidade própria para a moda brasileira, nada melhor que utilizar como ponto de partida (entenda-se: objeto de pesquisa), a rica e diversificada cultura de nosso próprio país.
É o que indica o desfile da marca Maria Bonita, que utilizou como fonte de inspiração para a sua coleção de inverno 2011 a cultura material e imaterial dos nordestinos e dos demais trabalhadores responsáveis pela construção de Brasília, nos anos 1950.
Nada óbvio, a simplicidade dos denominados "candangos" veio materializada através das formas das peças. Suas maletas com ferramentas de trabalho e as marmitas, vieram decodificadas nas carteiras e bolsas acopladas às roupas da marca, trazendo inovação e funcionalidade.
Mas a simplicidade também se traduziu nos materiais naturais e simples utilizados na confecção do vestuário: malhas confortáveis, flexíveis e impecáveis, misturando as cores retiradas da terra, do céu e das construções de Brasília (tons terrosos, azuis e cinza).
Outro elemento da cultura imaterial reinterpretado pela coleção foi a sensualidade da mulher brasileira, que aparece, de forma muito sutil, sem absolutamente nenhuma vulgaridade. Algumas peças revelam costas e braços nús, em decotes nadador, outras trazem pequenos recortes vazados, que mostram a pele e o colo, a cintura é apenas insinuada no modelo marrom, as pernas aparecem em transparências discretas.
Enriquecendo ainda mais seu trabalho, a marca não poderia deixar de trazer também um pouco da arte de Athos Bulcão, que também serviu de inspiração para as criações de Ronaldo Fraga. Seus azulejos, os desenhos triangulares criados para o museu e a placa de metal do plenário do Senado vêm traduzidos através de recortes e desenhos em looks resinados.
As formas, as cores, os recortes, os materiais, a cenografia (tapumes de madeira) e a música "desfilados" (Construção, de Chico Buarque), tudo demonstra que a cultura brasileira pode servir de alimento para a criação de produtos com cara e alma brasileiros.




















quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Animale menos animal.



A estilista Raquel Zimmermann deixou um pouco de lado o apelo sexy da marca e as estampas de bichos que sempre povoou suas coleções, criando peças que equilibram a sisudez do couro, da alfaiataria e da geometria com a fluidez, o movimento e delicadeza de tecidos como a organza de seda, utilizada principalmente em saiotes e blusas.
O couro simboliza justamente as selas, fonte de inspiração da coleção, que se delineia nos quadris, aplicados às calças, às calças e aos shorts, lembrando ancas sobrepostas, e se transforma em peças que, de frente, parecem coletes e, de costas, blusas. Esse material, ainda, cortado em tirinhas, mostra-se muito delicado e criativo ao formar um vestido longo verde petróleo. As tramas, ora mais abertas, ora mais fechadas, do tricô, criam texturas e transparências.

A coleção tem início com o chique off white, passa por tons de ocre, marrom e vai ganhando cores como a ferrugem, o laranja, o amarelo e o verde petróleo, encerrando com alguns looks em preto.
A estilista conseguiu, utilizando um mix diferenciado de materiais (lã, couro e organza), que faz parte de sua marca registrada, obter texturas e formas que se apresentaram de forma equilibrada e contemporâneas, tornando a mulher mais clássica e elegante.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A moda inteligente de Ronaldo Fraga.



Ronaldo Fraga, que já fez uso da moda para tratar de tantos assuntos (literatura, música, artesanato, cultura, sociedade, sustentabilidade), neste inverno/2011, mergulhou no universo do artista Athos Bulcão, que presenteou os espaços públicos de Brasília com suas obras gráficas e abstratas, bem representativas da cultura brasileira. Transitou não apenas por seus desenhos, azulejos, mas trouxe um pouco da memória do modernista nacionalista.

Isso tudo torna-se evidente não apenas nas peças apresentadas no desfile, mas na própria cenografia, carregada de informações, que traz um mix de azulejos suspensos no ar, ao lado de ilustrações do estilista, imagens da infância de Athos, fotos do carnaval do Rio de Janeiro dos anos 1920 e da efervescência modernista dos anos 1950, o que, de alguma forma, possibilita que tenhamos acesso à parte da árdua pesquisa teórica e iconográfica realizada por este designer de moda.

Em entrevista concedida ao Roda Viva, na noite de ontem (31.jan.2011), Ronaldo, que sempre encanta com suas apresentações inusitadas e ultra-criativas, confirmou ser avesso aos "espaços brancos", pois acredita que os cenários criados também são instrumentos a serviço deste contador de histórias. A cartela de cores, os tecidos utilizados, os jacquards, as estampas da coleção intitulada "Athos do início ao fim", tudo serve de material para que Ronaldo, de forma poética, possa reescrever um pouco acerca da trajetória do artista plástico.

A coleção veio pincelada em tons de laranja-tangerina, azul "céu de Brasília", cinza concreto modernista, pelo branco e pelo preto, e materializou-se em jacquards de algodão (criados com inspiração nas fotos nostálgicas, mas muito alegres, do carnaval carioca), no linho, no tafetá, no algodão resinado, na seda e no tule. Tais tecidos davam sustentação às formas retas, amplas e geométricas, muito bem trabalhadas, ora com pregas, ora com dobras, com um pequeno recorto aqui e acolá. Peças que eram ora vestidos, ora túnicas, mas expressavam o lado lúdico das crianças.

Se o objetivo de Fraga era reconstruir o universo de Athos Bulcão, o estilista, mais uma vez, cumpriu muito bem a sua função, pois sua coleção consegue dar cor e forma, à vida e à obra do artista. Novamente, muito generoso, traz para moda mais um pouquinho da cultura brasileira.

domingo, 16 de janeiro de 2011

"O inverno em Noronha de Melk Z-Da"





A coleção outono-inverno do pernambucano Melk nasceu em Fernando de Noronha, através da implementação de um projeto que tem como objetivo inserir o design em algumas associações, contribuindo para seu desenvolvimento.
Segundo o estilista, foi um mergulho literal na cultura local que possibilitou ao estilista observar o movimento das algas marinhas, das esponjas e dos corais. E, nesta visita ao fundo do mar, quase tudo remetia aos cabelos, que vieram nas estampas gráficas e viraram matéria prima na construção de casacos, cintos, fivelas, casacos, partes de vestidos.

Engana-se quem pensa, no entanto, que o designer partiu para o óbvio: apenas reproduzindo o que viu no fundo do mar e em um dos destinos de veraneio mais badalados de nosso país. Sua pesquisa foi além, mostrando um lado sombrio local: baseou-se na cultura brasileira, na lenda de Alamoa, existente desde o tempo em que a ilha era um presídio e os homens desejavam ser seduzidos pela mulher de longa cabeleira loura, que se transformava em caveira e os assassinava.

A temática refletida, pouco encontrada ainda na moda brasileira, traduziu-se em uma modelagem seca, mas diferenciada, com ombros volumosos e deslocados, recortes geométricos e cintura marcada.
Entre os materiais, o estilista utilizou não apenas cabelos sintéticos, mas outros tipos de pelo: lã de camelo, franjas de tapete, que traziam para a passarela o balanço, o movimento incessante do fundo do mar. Ainda, abusou da organza de seda, do tafetá cristal, de um cetim mais leve e tecidos de tapeçaria, criando texturas e volumes em quase todas as peças. Para arrematar, fez uso de pedrarias, trazendo um pouco do céu estrelado da ilha e dos plânctons do fundo do mar.

A coleção trouxe muitos vestidos: uns longos, outros curtos, mas todos muito trabalhados, com aplicações em lã, cabelo, em cores e estampas que lembram não só os elementos do fundo do mar (corais, movimento das ondas, peixes), mas também a areia da praia, os pássaros locais. Os casacos, feitos de pelos, trazem novidade: tranças, grampos, que permitem que o usuário o modifique de acordo com o seu gosto e humor, criando uma ligação afetiva com a peça.

Embora alguns afirmem que o estilista se dedica apenas a uma moda mais conceitual (na verdade, todas têm seu conceito...), verifica-se que muitas peças do inverno podem sair das passarelas e ganhar as avenidas, como o vestido longo que lembra o movimento das ondas do mar.