sábado, 25 de agosto de 2012

Caravaggio e seus seguidores.

     Que tal conhecer um pouquinho da vida e obra do pintor milanês Michelangelo Merisi, mais conhecido como "Caravaggio"? É só dar uma passadinha no MASP, até o dia 30 de setembro e conferir.
     Confesso que fiquei um pouco decepcionada com o fato de a exposição ser composta por apenas seis obras do artista e outras tantas de seus seguidores, que aderiram a seu estilo, de maneira um pouco superficial e maneirista.
      Mesmo assim, vale a visita, por ser a pintura de Caravaggio inovadora para a época (1571-1610), caracterizando-se pelo claro-escuro, pela iluminação da cena como um raio de luz forte e direta, como um holofote que traz dramaticidade e tensão emocional à sua obra, esculpindo os corpos.
     Dentre as obras, muitas vezes de temática religiosa, muito interessante a "São Jerônimo que escreve" (1605-2606), em que as luzes se voltam para a figura do santo que, imerso em meditação, dedica-se aos estudos e à tradução da Bíblia, ficando evidenciado o contraste entre a cabeça de São Jerônimo e um crânio de uma caveira sobre os livros.

 
     Da mesma forma, a pintura "São João Batista que alimenta o cordeiro" traz São João como personagem principal e trabalha a questão da adoração dos rebanhos pelos pastores. Trata-se de um quadro sintético, melancólico e introspectivo, como acontece também com a pintura "São Francisco em meditação", obra sugestiva que representa o santo, isolado, frente à imagem da morte, verdadeira e profunda reflexão mística.

 


      Em "São Januário degolado ou Santo Agapito" (1610), o artista apresenta o mártir, cidadão e patrono da Palestina, degolado, e, na "Medusa Murtola" (1597) apresenta a famosa figura da Medusa. Sob uma camada pictórica final, o artista elabora um desenho de preparação e esboços visíveis, para poder construir uma imagem complexa sobre uma superfície convexa (um escudo). Já em "Retrato do Cardeal", o artista utiliza uma mistura  de tinta luminosa, com pinceladas rápidas na parte exposta à luz, esculpindo a cabeça do cardeal com a luz.



 


     Como Caravaggio teve de deixar Roma às pressas, em razão do seu envolvimento em um duelo, que resultou na morte de seu opositor, fugindo para Nápoles, depois para a Ilha de Malta e para a Sicília, não formou, diretamente, nenhum discípulo para satisfazer os pedidos de interessados em sua arte.
     No entanto, inúmeros pintores passaram a seguir sua maneira de pintar, utilizando sua iluminação das cenas semelhante àquela do teatro (com um foco de luz forte e direto naquilo que queria destacar). Dentre eles podemos mencionar Giovanni Baglione, Tommaso Salini, Orazio Borgianni, Carlo Saraceni, Orazio e Artemisia Gentileschi, Leonello Spada e Simon Vouet, todos expostos junto ao mestre.
     Para quem é curioso e quer saber como se atesta se uma obra é ou não de determinado artista, interessante conhecer as inovações tecnológicas que surgiram e têm papel importante para a proliferação de pesquisas no campo da Arte, permitindo que se revele o processo da pintura e que se analisem as pinceladas dos artistas. Afinal, até então, todas as análises eram feitas a olho nú.
     Fica a dica: conhecer as obras do mestre do Barroco (e de seus seguidores), mostradas pela primeira vez no Brasil. Ah! E aproveite a viagem para se deliciar com o acervo permanente do MASP, no segundo andar, que tem obras de Van Gogh, Monet, Manet, Degas, Bonnard,Vuillard, Renoir, Matisse, Lautrec, Chagall, Cèzanne, Gauguin, todos meus queridinhos. Assim terá uma amostra bem diversificada do trabalho de grandes artistas, em diferentes momentos históricos.

Informações úteis:
O MASP fica na Avenida Paulista, 1578.
Abre de terça a domingo, das 11 às 18 horas.
Às quintas, o museu fecha às 20 horas, e a bilheteria fecha sempre meia hora antes.
Os ingressos custam R$ 15,00 (inteira) e R$ 7,50 (meia).
Visitantes de até 10 anos ou acima de 60 não pagam ingresso.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Modernismo brasileiro".

A sugestão seria que todos lessem, primeiramente, o "post" anterior, denominado "Pinceladas sobre o início do Modernismo", que traça um breve perfil da ruptura ocorrida na Arte, impulsionada também pela fotografia, pois este artigo mostra o Movimento já em terras brasileiras e é praticamente uma continuação do texto anterior.

No Brasil também já se delineava um chega-pra-lá nos modelos antigos. Na literatura, já se criticava a "rima rica e ideia pobre", produzindo Lima Barreto e Monteiro Lobato, arte que seria depoimento, crítica, que poderia ser considerada Pré-Modernismo.
Na área da pintura, contagiada pelos movimentos vanguardistas que estudara na Alemanha, Anita Malfati realizava a sua primeira exposição, quebrando o academismo na pintura e sendo considerada, por esse motivo, o estopim na pintura da vanguarda brasileira.
Sua mulher de cabelos verdes, seu homem amarelo, sua pintura livre com pinceladas vigorosas e cores abundantes, foram duramente criticados por Monteiro Lobato, que embora fosse muito moderno na literatura, mostsrou-se bem conservador na pintura. Abaixo, a pintura "A Boba" (1915/1916).
 
O literato escreveu um artigo para o jornal "O Estado de S.P.", denominado "Paranóia ou mistificação?", onde dividia os artistas em duas espécies: "os que vêem normalmente as coisas e em conseqüência das emoções estéticas, os processo clássicos dos grandes mestres (...). A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva (...). Embora eles se dêem como os novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação."
Mergulhados no espírito de renovação, grandes nomes como Mário e Oswald de Andrade, Menochi dell Picchia, Villa Lobos, Anita, dentre outros, organizaram a Semana de Arte Moderna Brasileira de 1922, dano uma banana tupiniquim verde-amarela e carnavalesca para o passado, para romper definitivamente com os "cadáveres em pé".
 
A Semana se desenvolveu em São Paulo, porque como conta Di Cavalcanti, o Rio de Janeiro era um lindo e animado balneário, habitado pela burguesia e alguns nobres dos tempos imperiais, sem condições de ser palco das rupturas culturais. Por sua vez, São Paulo tinha seu aristrocrático empresariado que convivia com milhares de operários imigrantes, e intelectuais de maior peso econômico, oferecendo clima propícia para lançar as sementes do modernismo.
O evento, ocorrido justamente no Teatro Municipal de Ramos de Azevedo, causou furor, indignação, tanto do público como dos críticos. De fato, para não se indignar era necessário enxergar o Cristo de trancinhas de Becheret com os olhos de uma cirança não domesticada, portanto, liberta de preconceitos. Essa foi a lição dos modernistas de 22: o exercício da liberdade, o exercício de ver com os olhos livres.
Embora Tarsila do Amaral não tenha participado da Semana de Arte Moderna Brasileira, logo que voltou de Paris e tomou contato com os moços de 22, apaixonou-se com a proposta tupiniquim, importando a técnica européia e pintando um Brasil interiorano e rural, assim como sua São Paulo cosmopolita.
Pintou a realidade caipira do interior e da roça, em seu rosa e azul caipiras, na faze pau-brasil. Deixou emergir da sua imaginação monstros-aves, plantes-bichos, seres estranhos, nas cores terra e verde-amarela e azul, na fase antropofágica. Retratou a miséria dos viajantes nas estações , dos operários das fábricas, que eram simples engrenagem da industrialização, fazendo-nos recordar Charles Chaplim (Tempos Modernos). Passava por uma fase social.
Na fase pau-brasil, Tarsila se libertou do academismo, trazendo para sua arte a técnica livremente importada da Europa. Viajou pelo Brasil (Minas, Rio de Janeiro), mergulhando na identidade nacional.
Levava consigo o seu caderninho de anotações, onde fazia esboços de tudo o que lhe chamara a atenção. Fez uma releitura da cultura brasileira mais genuína, sem nenhuma fórmula pré-concebida, realçando o elemento primitivo (índio e negro) e as culturas que compunham a realidade nacional. Propunha um olhar livre, liberto.
Nesse período, a artista pinta a nossa mata, nossos bichos, nossas frutas, recuperando o ambiente de sua infância solta e feliza na fazenda. Também pinta locomotivas, bichos nacionais, arranha-céus.
"A Negra" (1923) foi a primeira manifestação da Antropofagia, movimento que eclodiu em 1928, com a obra "Abaporu" (homem que come carne humana). Foi pintada quando Tarsila tomava aulas com Léger.
 
Em "A Negra", vemos uma arte brasileira mostrada através do motivo. Trata-se de uma negra, com lábios grossos e olhos amendoados. Seus seios são enormes e a massa volumosa, trazendo uma figura agigantada. Ela é sempre colocada no centro da tela, com um fundo geométrico cubista com uma brasileiríssima folha de bananeira.
Remete à infância de Tarsila, retratando as negras da fazenda de seu pai no interior de São Paulo, que geralmente eram filhas de escrabos, tinham seios enormes e caídos, e eram amas-secas, espécies de babás que cuidavam das crianças.
Depois se seguiu o quadro "Carnaval em Madureira" (1924), em que Tarsila, influenciada pelo carnaval do Rio, coloca a Torre Eiffel, ícone da modernidade, no meio de uma favela, consumando a arte pau-braisl, comprovando que o Modernismo é um dos movimentos mais alegres de nossa pintura.
 
Em 1928, com sua obra "Abaporu", teve início a Antropofagia. A ideia surgiu d euma reunião onde Oswald de Andrade afirmou que na evolução das espécies, o homem passava pela fase da rã. Tarsila achou graça e concluiu: "Em resumo, isso significa que, teoricamente, deglutindo rãs, somos uns... quase antropófagos..."
Essa ideia dá ensejo a uma nova linha de reflexão sobre a realidade brasileira, que valoriza o selvagem livre, puro, feliz, solto, antes da descoberta do Brasil e da colonização portuguesa, responsável pela exploração da terra e da "conversão" dos índios.
Oswald escreveu o Manifesto Antropófago, apresentando as diretrizes do movimento, que tinha a intenção de "deglutir" a cultura vinda de fora (não só do português, mas dos europeus, asiáticos) e transformá-la em algo bem brasileiro.
Em "Abaporu", vemos novamente a negra das fazendas de café, com grandes pés fincados na terra brasileira e uma cabecinha. A imagem sugere sensações estranhas, ganhando mistério, extravasando o inconsciente de Tarsila e a recordação das assustadoras histórias que lhe contravam essas personagens.
 
Em "O Lago", do mesmo ano, Tarsila trabalha com formas carregadas de invenção, de imaginação, ilógica. A natureza é retratada de forma mais bruta, mais forte, mais selvagem.
 
Já em "Cartão Postal", Tarsila retrata a cidade do Rio de Janeiro, maior cartão postal do Brasil, não deixando de colocar na tela um macado que remete à Antropofagia.
 
Depois de uma viagem à Rússia, e da revolução, Tarsila passa a se preocupar com o social, tratando da massa humana proletária do mundo industrial, tanto que, em 1933, pinta "Operários". São eles desiguais em sua fisionomia, na cor, na raça, o que lhes dá identidade peculiar. Por outro lado, são iguais enquanto frente de trabalho, como a engrenagem subordinada ao poder esmagador e desumanizante do sistema industrial capitalista (o que lhe dá teor reivindicatório).
 
Na obra, faz uma tomada estática, congelada dos operários empilhados sem qualquer sorriso. Trata-se de uma denúncia voluntária, onde temos rostos carregados de expressão, de força, mas também de desolação e desesperança.
Mas não só de Tarsila, claro, formou-se o Modernismo brasileiro na pintura. Outro expoente foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna, seja ele, Di Cavalcanti, que do contato com as obras de Picasso, Matisse, Braque, Léger, dentre outros, herdou as características dos diversos movimentos de vanguarda, mas também introduziu uma linguagem pessoal, retratando o Brasil em seus múltiplos aspectos.
Era desenhista, mas, na década de 30, sua pintura passou a se estruturas mais na cor. Boêmio, dedicou-se a retratar cenas e personagens brasileiros, a figura feminina, retratos caricaturas, charges, painéis, cenários, cartazes.
A mulher era mostrada na multiplicidade de papéis sociais, mas de forma sempre altiva. Deu destaque à figura da mulata, que é a mistura entre negro e branco, deixando evidente o relacionamento "fecundo" entre as raças em um Brasil marcado pelas diferenças. Suas cores abundantes e o tema da mulher brasileira aparecem em obras como "Cinco mulheres de Guaratinguetá" (1930).
 
Também não podemos nos esquecer de Anita, já mencionada nestas linhas que foi a precursora do Modernismo no Brasil, quando Tarsila ainda se dedicava aos seus estudos em Paris.
 Todos esses artistas, autênticos, genuinamente brasileiros (de corpo, alma, coração e estômago) que não tiveram medo de romper com o velho, com o caquético, o antiquado, devem nos servir de inspiração para que possamos sempre acreditar em novas possibilidades. 

"Pinceladas sobre o início do Modernismo..."


Segundo a História da Arte, poderíamos dividi-la em, pelo menos, dois grandes momentos: a Arte Antiga e a Arte Moderna. Isso acontece porque a Arte Moderna, que deu seus primeiros passos lá pelos anos 1850, surgiu com o intuito de romper com todos os padrões consagrados pela Arte Clássica, reavivada pelo Neoclassicismo.
Enquanto a Arte Antiga era a arte da representação, da mimese, da imitação da realidade (os pintores queriam que suas obras fossem confundidas com o real, como uma fotografia), a Arte Moderna não se contentava reproduzir a natureza como se fosse a sua cópia fiel. Queria, sim, evidenciar que se tratava de uma verdadeira “pintura”.
Isso vem indicado em um episódio envolvendo Matisse. Perguntaram-lhe por que ele pintara a mulher de amarelo. Ele desfez o equívoco: “Mas isso não é uma mulher. É uma pintura”.
Sob o aspecto filosófico (da Estética), verifica-se que, até a renascença, buscava-se o “belo ideal” de Platão, ou seja, o belo como algo intelegível, concepção que se alterou com Baumgarten, que passou a se referir ao “belo real”, que está no mundo sensível, volátil, efêmero, mutável, não havendo mais regras para a sinalização do belo, mas apenas a exigência de uma racionalidade dependente de nossos juízos estéticos.
A Arte Antiga e a Moderna se diferenciavam, primeiramente, no que diz respeito aos assuntos de que tratavam. Os neoclássicos se ocupavam da pintura de erudição, intelectual, histórica, extraordinária, acessível, portanto, somente à elite, que se dedicava aos estudos e, portanto, compreendia a História. Era a chamada “arte maior”, que trazia temas religiosos, mitológicos e históricos.
Isso, no entanto, começa a se modificar com o realista Coubert, militante político (republicano socialista) que queria se libertar dos antigos, democratizando a arte e tornando-a mais acessível a todos.
Coubert queria pintar o que era visível, o banal, o comum, o ordinário, algo que todo mundo pudesse ver e compreender imediatamente, sem a necessidade de recorrer ao intelectualismo. Sua pintura não era para a aristocracia, para a burguesia, mas sim para o povo.
Com a sua pintura “popular”, liberta-se do assunto imposto pelos neoclássicos, pintando o que tinha vontade de pintar, inspirado nos jornais populares e nos desenhos simplificados. Abaixo, sua obra “Enterro em Ornans”, de 1850, em que é retratada cena do cotidiano, que ninguém imaginava pintar.


Mas a Arte Moderna se contrapõe à Clássica também no que diz respeito à técnica. Os neoclássicos se dedicavam à pintura acadêmica. Os pintores trabalhavam nos seus ateliês, tentando, como já dissemos, aproximar-se da realidade.
Se Coubert conseguiu romper com os antigos pintando o que bem entendia (liberdade de assunto), os impressionistas abandonaram a técnica, passando a pintar de maneira livre, como bem queriam.
Um de seus maiores expoentes, Monet, abandona os limitados espaços dos ateliês e passa a representar a variação da luz sobre a realidade. Através da pintura, traduz ambientes luminosos, coloridos, tentando passar as sensações da luz. Pinta a natureza não por sua beleza, mas pela sua luz, pois, para ele, o “cenário” pouco importava, debruçando-se apenas sobre a luminosidade que incidia sobre a paisagem.
Na verdade, não se trata de um revolucionário, eis que, em momento algum, ele pretendeu acabar com a técnica acadêmica, em que os pintores faziam suas obras fechados em um ateliê. Quer apenas detectar as variações da luz, que somente poderiam ser percebidas nas áreas externas.
Para captar o efêmero, aquilo que muda o tempo inteiro, precisava de uma nova técnica, muito mais rápida que aquela ensinada nas academias de arte. Necessitava de uma técnica que se traduzisse na “rapidez de execução”.
Para tal, suprimiu os detalhes (olhos, bocas, contornos), delineando silhuetas.  Deixa nas telas marcas de pincel que, além de demonstrarem como o quadro foi feito (processo pictural), não deixam dúvidas de que se trata de uma “pintura” e não de uma fotografia. É o que podemos observar em uma de suas pinturas mais famosas: “Impressão: nascer do sol”, datada de 1873.
 
 

Sua obra é clara libertação dos modelos clássicos, mostrando-se livre para pintar exatamente “como” queria, longe das regras das academias e sem preocupação com os detalhes.
Talvez o mais difícil, no entanto, tenha sido para os artistas conseguirem se libertar da “representação”. Afinal, desde a pré-história, a arte imita a realidade, criando em nossa cultura o que podemos chamar de “costumes visuais”.
O homem acostumou-se com as imitações, acreditando que a arte antiga é que era “normal”. Acreditava que a forma seria a estrutura da pintura, que deveria ser preenchida com as cores. O desenho, portanto, era de primordial importância, e as obras traziam riqueza de detalhes... Para obterem a verossimilhança, os pintores antigos respeitavam as formas e as cores da realidade.
Cèzzane também revoluciona a pintura, sendo responsável pelo rompimento do edifício da representação. Não mexe na forma individual dos objetos, mas altera o sentido global da visão como um todo, mostrando mais de um ângulo de visão em uma pintura só.
Evidentemente, sua pintura é mais completa que a do mundo real, porque nossos olhos não vêem os objetos de dois ângulos distintos (ou vários) como a pintura consegue nos mostrar.
Isso fica claro na obra “Natureza-morta com maçãs de laranjas” (1895-1900), em que o pintor não usa as noções tradicionais de perspectiva, criando as noções de mais perto e mais distante através da própria cor.
 
 
Por sua vez, Van Gogh tem outra ideia fantástica. Ele sim mexe na forma individual dos objetos. Sua igreja gótica parecer desarticulada, desestruturada, como se estivesse se desfazendo, "derretendo". Abaixo, a obra "Igreja de Auvers", de 1890.

 




O pintor simplesmente deforma os objetos, desrespeitando a forma “imposta” pelos antigos e passando a sensação de “anormalidade”, fugindo às regras da verossimilhança. Ainda, simplifica a paleta de cores sem se preocupar se a cor corresponde ou não àquilo que vimos na natureza. Segundo o artista, a cor não passa de um elemento expressivo, de linguagem, como no “Quarto em Arles” (1888).

 

Assim, fica claro que os artistas modernos, distintamente dos antigos, vêem a Arte Moderna como uma forma de expressão, que se encontra justamente nas diferenças entre a realidade e a obra de arte. 
Van Gogh, evidentemente, não foi compreendido em sua época, pois a sua pintura fica mesmo no limite entre aquilo que é visível e aquilo que nós nunca vimos, nem nunca veremos. Trata-se do que chamamos “especulação sobre o invisível”.
Poderíamos dizer que Monet e Coubert, de maneiras distintas, pintaram aquilo que eles viam. Cèzzane, por sua vez, pintava o que via, mas sobre várias perspectivas, podendo-se afirmar se tratava de uma pintura do pensamento. Por sua vez, Van Gogh pintava o que ele estava sentindo, ou melhor, o que pretendia expressar.
Assim, a pintura moderna passa a ser subjetiva, rompendo com as regras acadêmicas, com as imitações e com o objetivismo dos antigos, libertando-se do passado e trazendo uma nova forma (a priori, rechaçada) de ver o mundo.
Sob a ótica da Estética, o artista passa a ser visto como um gênio, como um criador, a partir do romantismo alemão. Passa a expressar algo que ninguém consegue. Retrata a sua época porque apreende a sua idéia, o seu significado. O artista é justamente aquele que visualiza e transforma o que ninguém vê, mas está aí. 
Evidentemente, essa quebra dos padrões antes impostos causou duras críticas. De fato, era extremamente difícil a adaptação do olhar humano ao novo. Os críticos e os burgueses não estavam acostumados com a nova arte, que lhes parecia de mau-gosto. 
O fato é que, com o advento da fotografia, do que valia simplesmente reproduzir a realidade? O que era mais rico em termos artísticos? Pintar o que existia, concretamente, o que todo mundo poderia ver, imitar perfeitamente da realidade, ou pintar aquilo que nunca vimos e que nunca veríamos se não fosse pela imaginação do artista?
Os artistas modernistas, sem dúvida alguma, têm muito a nos ensinar, pois, em um momento crucial da história arte, quando se acreditava que a pintura havia morrido, deram nova vida e significado à Arte. Por isso, não tenho vergonha de admitir que o Modernismo se tornou meu movimento preferido.
 
 
 
 
 
 
 
 
 

"Poema Improvisado", de Gustavo Ferreira Rossi

"Esta vida inteira já não cabe em tuas mãos:
és nítida prisioneira,
teus pés criaram raízes.
Entretanto, foges apressada
por um chão que já não pisas,
e a agonia te emoldura, fatigada.

Porém teu corpo desliza entre os litígios,
entre os cadáveres dos assassinos,
pois musa moderna que és,
tua beleza independe das flotes,
pois as únicas flores que existem,
são as que nascem de ti.

O mundo que te encarcera,
alimenta personagens tristes,
ilusões descalças,
bailarinas desamparadas.
E apesar da violência da cidade,
da pornografia industrial,
és uma rainha despida
entre as crianças.

Por isso, embora teus olhos
arrastem quilates de tristeza,
teu coração é um pássaro de fogo
no verão da montanha.

E por mais que envelheças,
guardarás intacta,
a verdadeira beleza."

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Achados...

Não sei se já repararam, mas a Moda tem se mostrado "cíclica", cheia de idas e vindas, um verdadeiro "flash back" com  pequenas modificações...
De novo mesmo, raríssimas exceções, talvez porque, com a internet e as redes sociais, as imagens se desgastam rapidamente e aquilo que parecia "novo", "inusitado", logo se torna "obsoleto", "visto", "gasto".
De qualquer maneira, uma onda "retrô" vem despontando, como um "tsunami", por aí... É o que mostra o filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen, aclamado pelo público e pela crítica. 
Se a Modernidade, às vezes, assusta, o passado surge, melancólico, como uma possibilidade de fuga para um lugar seguro, conhecido, onde as relações humanas pareciam mais verdadeiras, pois aconteciam face-à-face...
Seguindo essa "maré", o "retrô" e o "vintage" retornaram com tudo, como um perfume saudosista a invadir nossos guarda-roupas, a nossa vida e o nosso imaginário.
Eu que me identifico (e muito) com a mocinha da fita mencionada, que tem o desejo de voltar a Paris da "Belle Époque", ando há muito pelas feirinhas de antiguidades de São Paulo (Bexiga e Benedito Calixto), sempre a procura de objetos e peças de vestuário.
No início, minha paixão eram as bolsas e os chapéus (e os gobelens que eu utilizava na confecção de bolsas bordadas com minha amigaa Jacyra)... Agora, meus "xodós" são os vestidos e os casacos, verdadeiros achados, por uma pechincha...
É preciso, claro, ter paciência, e olhos de "lince" (como diz a senhorinha de uma das barracas que já me fez ótimas vendas), para encontrar peças em bom estado, como estas inseridas abaixo. Porém, é sempre muito divertido... 
E as vantagens são inúmeras: ter uma peça única, exclusiva que, usada juntamente com acessórios e peças modernas, darão um toque de originalidade à sua produção.
Pagar muito mais barato e ter à sua disposição trabalhos únicos, como é o caso do casaquinho de veludo azul, todo trançado à mão, peça que você não achará em lugar algum e que me custou apenas R$ 60,00.
Como se não bastasse, reutilizar tais objetos é contribuir para a sustentabilidade do planeta, que já não suporta mais tanto descarte e clama por atitudes mais responsáveis, como a reciclagem.
Fica a dica para dar um "up" no seu visual, gastando pouco e ainda contribuindo com nosso planeta. Divirta-se!!!









Informações úteis:
Na internet, você encontra lista de brechós por cidades.
Ainda, a feira do Bexiga acontece todos os domingos e a da Benedito Calixto aos sábados. 

domingo, 19 de agosto de 2012

"Chic é ser feliz."

Hoje pela manhã, enquanto me arrumava para ir à academia, ouvi uma reportagem na tv sobre o aumento dos gastos com "beleza", em que mulheres, orgulhosas, diziam que "deixavam", em salões de beleza, uma média de R$ 890,00 por mês. Isso sem contar os cosméticos (cremes para rosto, corpo, shampoos, condicionadores), a academia e os tratamentos estéticos.
Muitos dizem que "não existe mulher feia, existe, sim, mulher pobre"... Eu, então, me questiono: "não será, no entanto, "pobreza de espírito", gastar mensalmente quase um salário mínimo e meio, com unhas e cabelos?"
Sei que minha indagação soa um pouco invasiva, mas a intenção destas linhas é justamente fazer com que todos reflitam acerca da busca, a qualquer preço, da beleza. Afinal, como um amigo postou, outro dia, no face, charme é mais que beleza. Afinal, essa é efêmera, mas o charme... Ah! O charme a gente carrega para sempre. Vem da nossa atitude, incorpora-se ao nosso espírito.
Evidentemente, não pretendo convencer ninguém a deixar de frequentar cabeleireiros, cirurgiões plásticos, academia. Afinal, tenho a consciência de que recebemos nosso corpo de presente e que, portanto, é nosso dever bem cuidar dele. O que me assusta, entretanto, são os exageros: aquelas pessoas que "vivem", única e exclusivamente, para a cultuar seus corpos.
Fico pensando o que leva as mulheres a gastarem grande parte de seus rendimentos (e do seu tempo) em cabeleireiros, clínicas de estética, produtos e tratamentos de beleza... A mocinha da entrevista tenta me explicar: "depois de uma tarde no salão, saio me sentindo 'linda', 'poderosa'." Em outras palavras: vaidade feminina... As mulheres se produzem todas porque querem ser desejadas pelos homens e invejadas pelas outras mulheres... Mas será que vale à pena despertar sentimentos como "desejo" e "inveja"? Façamos algums reflexões...
A primeira delas: será que os homens reparam tanto assim em cabelos, unhas, marquinhas de expressão e quilinhos a mais e a menos? A segunda: será que vale à pena chamar a atenção só pela "estampa": para ser usada e, em seguida, descartada por outra beldade qualquer? Ou você ainda acha que é a única mulher bonita nesta produção de bonequinhas em série de nossa sociedade capitalista?
E será que você consegue manter a autoestima "comprada" no cabeleireiro depois de ser trocada, no dia seguinte, na cara dura?
A verdade é uma só: homem algum vai respeitá-la ou admirá-la mais só porque seus cabelos estão bem tratados, sua pele está mais esticada, seu bumbum mais arrebitado, seus peitos mais siliconados, suas sobrancelhas mais desenhadas...
Ah! Você não se encaixa no exemplo? Já está casada e precisa apenas manter seu relacionamento? Pois saiba que a fatura do cartão de crédito certamente não será um atrativo para o seu marido. Principalmente quando ele sequer nota o resultado, pois, assim como você, todas as demais mulheres também passaram pelo mesmo processo de recauchutagem, com uma pequena diferença: elas não gastaram o dinheiro dele.
Não sei se já percebeu, mas, mesmo parecendo uma diva do cinema, muitas vezes, o seu marido prefere ficar ao lado dos amigos dele a estar com você... O que talvez indique que, embora os homens afirmem que "beleza é fundamental", em um relacionamento, isso não é decisivo.
Queria, ainda, que refletissem: será que esse nosso "invólucro" dura para sempre? Será que conseguiremos mesmo driblar a lei da gravidade, brecar a passagem do tempo? Será que faz sentido virarmos todas "vovós biônicas", "oitentonas saradas"? Não haveria nisso tudo um exagero, uma loucura, uma inversão de valores?
O fato é que os espelhos não mentem: a beleza é mesmo efêmera, passageira... Por isso, eu nos pergunto: "O que faremos quando o único "bem" que cultivamos se esvair? Quando a beleza física não passar de mais um retrato na penteadeira? Terá valido à pena tanto dispêndio de tempo e dinheiro apenas para alimentar nossa vaidade? Mesmo sabendo que tudo o que é matéria, uma hora ou outra, se desfaz?
Assim, meu convite é para que parem de gastar e passem a investir... E investir significa aplicar seus rendimentos em algo que carregarão dentro de vocês para sempre e as tornarão muito mais atraentes: emoções, memórias, sensações, pensamentos, conhecimentos, lembranças, habilidades, charme, simpatia.
Que tal investir em um curso, em uma viagem, em um bom livro, em um bom filme, em uma noite com os amigos? Que tal se emocionar ao conhecer novas paisagens, sentir outros aromas, ouvir (falar) outras línguas, provar novos sabores, investir em pessoas (caridade)? Não será uma forma mais segura de se tornar uma pessoa mais sábia, culta, interessante, satisfeita e feliz? De ter assunto para conversar, de ter o que trocar?
Afinal, o que levamos da vida senão tudo aquilo que vivemos, que aprendemos, que experimentamos? Se somente nossas aquisições imaterias é que realmente fazem parte da nossa bagagem e serão ferramentas em nossa trajetória espiritual...
Por tudo isso, é chegada a hora das mulheres acordarem... Chic não é gastar uma fortuna em salão de beleza toda semana, se repuxar, se alisar, se esculpir... Chic é investir naquilo que realmente interessa... Chic é um estado d'alma... Chic é viver e ser feliz!!!

domingo, 12 de agosto de 2012

"Design de Baba"

"Baba Vacaro e o Design" (por Fernanda Cury)
Nesta última sexta-feira, dia 03 de outubro de 2008, tivemos o privilégio de receber, em nossa universidade, a designer de produtos Baba Vacaro, que, de forma muito espontânea e gostosa, dividiu conosco não apenas a sua trajetória no design, mas também um pouquinho de sua história.
Baba formou-se em design de produtos, em uma época em que as pessoas sequer imaginavam para que serveria um designer. Contou que algumas pessoas achavam que o designer seria um tipo de “contador”, um “administrador de empresas”, e por isso o design não era ainda muito valorizado.
Deixou claro que viveu os horrores da ditadura, um momento em que nossos olhos foram praticamente fechados, e não tínhamos acesso à informação, nem tampouco sonhávamos com a internet. Para se conectarem com o mundo, os designers viajavam, trazendo informação e fazendo “tráfico de revistas e livros” entre eles.
Esclareceu que se inspirou no sucesso do design italiano que, depois da guerra, foi um dos responsáveis pela reconstrução da Itália, de uma forma bastante criativa. Um exemplo por ela mencionado foi o da criação da “vespa”, que solucionou o problema de locomoção e de falta de “grana” dos italianos, movimentando um país que queria fazer a diferença. Quem visita esse país sabe que o pequeno veículo faz sucesso até hoje.
Assim como a guerra na Europa, a ditadura também foi um atraso para o Brasil, que nos anos 50 vivera uma época em que a criatividade aflorava em todas as áreas, como ocorreu com a Bossa Nova que se espalhou por todo o mundo.
Depois de mais ou menos 20 anos parados, finda a ditadura, veio a queda do mundo de Berlim, e tudo mudou. Vivemos a abertura do mercado e passamos a consumir produtos importados que acreditávamos serem melhores que os nossos, talvez pelo nosso complexo de colonizados, que a Baba chamou “torcicolo cultural”. Com os avanços tecnológicos, seguiu-se a democratização da informação, ingressando em nossas vidas a internet.
Com toda essa mudança de cenário, houve modificações também no mercado, que, aos poucos, foi se tornando mais maduro e que, hoje, já se voltou para o consumo de produtos mais criativos e simbólicos.
Baba, então, passou a trabalhar em empresas que criavam produtos relacionados ao “morar”, percebendo que, na vida pós-moderna, muitas vezes, passamos o dia inteiro com a bunda grudada em uma cadeira. Esse objeto, portanto, faz parte de nossas vidas, como se fosse um prolongamento de nossos próprios corpos. Por esse motivo, além de a cadeira ser confortável e de cumprir a função para a qual foi criada, ela deve possuir algo a mais, um diferencial. Deve cumprir não apenas um papel estético e funcional, mas também emocional, expressivo.
Segundo Baba, se o objeto é criado para um determinado público, que tem determinados desejos e necessidades, devemos sempre colocar essas pessoas como referência e centro de nossa criação. Devemos nos perguntar, portanto, com quem a marca quer conversar. Afinal, temos muita responsabilidade ao desenvolvermos um produto para alguém.
Como designers, temos a missão de sempre melhorar a vida dos usuários de nossos produtos, fazendo-os mais felizes, tornando suas vidas mais fáceis e confortáveis. E, para isso, devemos decifrar a “alma” da marca para onde trabalhamos e do público para o qual criamos. Às vezes, até mesmo para recuperá-la, como aconteceu quando Baba ingressou na empresa Dominici, história que a designer nos relatou com todos os detalhes.
Também, contou que a marca “San James” trabalha com a simbologia da prata, dedicando-se a contar “histórias de bem-viver”. Para essa empresa, Baba cria produtos como jarras, bandejas, produtos de mesa em geral, que simbolizam os poucos momentos de relax que temos, sentados à mesa com a família, com os amigos, nos almoços, jantares e chás da tarde.
Em seguida, a palestrante deixou claro que hoje o design brasileiro está tentando resgatar o espírito criativo do design dos anos 50 (justamente a época da Bossa Nova). Lembrou da loja criada por Sérgio Rodrigues: a Oca, que foi o ponto de efervescência cultural do momento.
Segundo Baba, Sérgio foi um ícone para o mobiliário brasileiro, criando peças diferenciadas para preencher as construções modernas de Oscar Niemeyer. Um exemplo é a famosa “poltrona mole”, encomendada por um amigo fotógrafo que queria uma poltrona confortável, para poder se esparramar. Quem conhece a poltrona sabe muito bem que ela é a tradução da alma brasileira e do próprio Sérgio, o que mostra que os objetos são uma forma de expressar não apenas uma determinada cultura, onde o designer se insere, mas também uma “ressignificação”, uma “releitura” e uma “reescrita” desse designer.
Mas onde estaria a brasilidade em Baba? Ou ainda, em que objeto concebido por ela, estaria a sua alma? Justamente na “mandacaru”, que traz uma narrativa, parece a flor do sertão, mas tem a ver com o improviso brasileiro, com a flexibilidade e liberdade. Na verdade, são seis almofadas costuradas umas às outras, que expressam a simplicidade do povo brasileiro. Esse produto seria não apenas a alma do nosso povo, mas também a alma da designer.
Afinal, o design não deixa de ser uma forma de expressão, uma maneira própria de enxergar um produto, que evidentemente traduz todo o repertório do designer, o pano de fundo em que ele vive, a cultura da qual ele é produto e que ele transforma através de suas criações.
O bate-papo com Baba veio a confirmar o que temos debatido e sedimentado nas salas de aula: a necessidade de colocar o homem como centro, como razão maior de nossa criação, pois o design não deve apenas ser funcional, estético, inovador. Os tempos da racionalidade terminaram, passando o design a ser um verdadeiro gesto cultural, devendo ressignificar, reler, reescrever, expressar e emocionar.