quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Modernismo brasileiro".

A sugestão seria que todos lessem, primeiramente, o "post" anterior, denominado "Pinceladas sobre o início do Modernismo", que traça um breve perfil da ruptura ocorrida na Arte, impulsionada também pela fotografia, pois este artigo mostra o Movimento já em terras brasileiras e é praticamente uma continuação do texto anterior.

No Brasil também já se delineava um chega-pra-lá nos modelos antigos. Na literatura, já se criticava a "rima rica e ideia pobre", produzindo Lima Barreto e Monteiro Lobato, arte que seria depoimento, crítica, que poderia ser considerada Pré-Modernismo.
Na área da pintura, contagiada pelos movimentos vanguardistas que estudara na Alemanha, Anita Malfati realizava a sua primeira exposição, quebrando o academismo na pintura e sendo considerada, por esse motivo, o estopim na pintura da vanguarda brasileira.
Sua mulher de cabelos verdes, seu homem amarelo, sua pintura livre com pinceladas vigorosas e cores abundantes, foram duramente criticados por Monteiro Lobato, que embora fosse muito moderno na literatura, mostsrou-se bem conservador na pintura. Abaixo, a pintura "A Boba" (1915/1916).
 
O literato escreveu um artigo para o jornal "O Estado de S.P.", denominado "Paranóia ou mistificação?", onde dividia os artistas em duas espécies: "os que vêem normalmente as coisas e em conseqüência das emoções estéticas, os processo clássicos dos grandes mestres (...). A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva (...). Embora eles se dêem como os novos, precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação."
Mergulhados no espírito de renovação, grandes nomes como Mário e Oswald de Andrade, Menochi dell Picchia, Villa Lobos, Anita, dentre outros, organizaram a Semana de Arte Moderna Brasileira de 1922, dano uma banana tupiniquim verde-amarela e carnavalesca para o passado, para romper definitivamente com os "cadáveres em pé".
 
A Semana se desenvolveu em São Paulo, porque como conta Di Cavalcanti, o Rio de Janeiro era um lindo e animado balneário, habitado pela burguesia e alguns nobres dos tempos imperiais, sem condições de ser palco das rupturas culturais. Por sua vez, São Paulo tinha seu aristrocrático empresariado que convivia com milhares de operários imigrantes, e intelectuais de maior peso econômico, oferecendo clima propícia para lançar as sementes do modernismo.
O evento, ocorrido justamente no Teatro Municipal de Ramos de Azevedo, causou furor, indignação, tanto do público como dos críticos. De fato, para não se indignar era necessário enxergar o Cristo de trancinhas de Becheret com os olhos de uma cirança não domesticada, portanto, liberta de preconceitos. Essa foi a lição dos modernistas de 22: o exercício da liberdade, o exercício de ver com os olhos livres.
Embora Tarsila do Amaral não tenha participado da Semana de Arte Moderna Brasileira, logo que voltou de Paris e tomou contato com os moços de 22, apaixonou-se com a proposta tupiniquim, importando a técnica européia e pintando um Brasil interiorano e rural, assim como sua São Paulo cosmopolita.
Pintou a realidade caipira do interior e da roça, em seu rosa e azul caipiras, na faze pau-brasil. Deixou emergir da sua imaginação monstros-aves, plantes-bichos, seres estranhos, nas cores terra e verde-amarela e azul, na fase antropofágica. Retratou a miséria dos viajantes nas estações , dos operários das fábricas, que eram simples engrenagem da industrialização, fazendo-nos recordar Charles Chaplim (Tempos Modernos). Passava por uma fase social.
Na fase pau-brasil, Tarsila se libertou do academismo, trazendo para sua arte a técnica livremente importada da Europa. Viajou pelo Brasil (Minas, Rio de Janeiro), mergulhando na identidade nacional.
Levava consigo o seu caderninho de anotações, onde fazia esboços de tudo o que lhe chamara a atenção. Fez uma releitura da cultura brasileira mais genuína, sem nenhuma fórmula pré-concebida, realçando o elemento primitivo (índio e negro) e as culturas que compunham a realidade nacional. Propunha um olhar livre, liberto.
Nesse período, a artista pinta a nossa mata, nossos bichos, nossas frutas, recuperando o ambiente de sua infância solta e feliza na fazenda. Também pinta locomotivas, bichos nacionais, arranha-céus.
"A Negra" (1923) foi a primeira manifestação da Antropofagia, movimento que eclodiu em 1928, com a obra "Abaporu" (homem que come carne humana). Foi pintada quando Tarsila tomava aulas com Léger.
 
Em "A Negra", vemos uma arte brasileira mostrada através do motivo. Trata-se de uma negra, com lábios grossos e olhos amendoados. Seus seios são enormes e a massa volumosa, trazendo uma figura agigantada. Ela é sempre colocada no centro da tela, com um fundo geométrico cubista com uma brasileiríssima folha de bananeira.
Remete à infância de Tarsila, retratando as negras da fazenda de seu pai no interior de São Paulo, que geralmente eram filhas de escrabos, tinham seios enormes e caídos, e eram amas-secas, espécies de babás que cuidavam das crianças.
Depois se seguiu o quadro "Carnaval em Madureira" (1924), em que Tarsila, influenciada pelo carnaval do Rio, coloca a Torre Eiffel, ícone da modernidade, no meio de uma favela, consumando a arte pau-braisl, comprovando que o Modernismo é um dos movimentos mais alegres de nossa pintura.
 
Em 1928, com sua obra "Abaporu", teve início a Antropofagia. A ideia surgiu d euma reunião onde Oswald de Andrade afirmou que na evolução das espécies, o homem passava pela fase da rã. Tarsila achou graça e concluiu: "Em resumo, isso significa que, teoricamente, deglutindo rãs, somos uns... quase antropófagos..."
Essa ideia dá ensejo a uma nova linha de reflexão sobre a realidade brasileira, que valoriza o selvagem livre, puro, feliz, solto, antes da descoberta do Brasil e da colonização portuguesa, responsável pela exploração da terra e da "conversão" dos índios.
Oswald escreveu o Manifesto Antropófago, apresentando as diretrizes do movimento, que tinha a intenção de "deglutir" a cultura vinda de fora (não só do português, mas dos europeus, asiáticos) e transformá-la em algo bem brasileiro.
Em "Abaporu", vemos novamente a negra das fazendas de café, com grandes pés fincados na terra brasileira e uma cabecinha. A imagem sugere sensações estranhas, ganhando mistério, extravasando o inconsciente de Tarsila e a recordação das assustadoras histórias que lhe contravam essas personagens.
 
Em "O Lago", do mesmo ano, Tarsila trabalha com formas carregadas de invenção, de imaginação, ilógica. A natureza é retratada de forma mais bruta, mais forte, mais selvagem.
 
Já em "Cartão Postal", Tarsila retrata a cidade do Rio de Janeiro, maior cartão postal do Brasil, não deixando de colocar na tela um macado que remete à Antropofagia.
 
Depois de uma viagem à Rússia, e da revolução, Tarsila passa a se preocupar com o social, tratando da massa humana proletária do mundo industrial, tanto que, em 1933, pinta "Operários". São eles desiguais em sua fisionomia, na cor, na raça, o que lhes dá identidade peculiar. Por outro lado, são iguais enquanto frente de trabalho, como a engrenagem subordinada ao poder esmagador e desumanizante do sistema industrial capitalista (o que lhe dá teor reivindicatório).
 
Na obra, faz uma tomada estática, congelada dos operários empilhados sem qualquer sorriso. Trata-se de uma denúncia voluntária, onde temos rostos carregados de expressão, de força, mas também de desolação e desesperança.
Mas não só de Tarsila, claro, formou-se o Modernismo brasileiro na pintura. Outro expoente foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna, seja ele, Di Cavalcanti, que do contato com as obras de Picasso, Matisse, Braque, Léger, dentre outros, herdou as características dos diversos movimentos de vanguarda, mas também introduziu uma linguagem pessoal, retratando o Brasil em seus múltiplos aspectos.
Era desenhista, mas, na década de 30, sua pintura passou a se estruturas mais na cor. Boêmio, dedicou-se a retratar cenas e personagens brasileiros, a figura feminina, retratos caricaturas, charges, painéis, cenários, cartazes.
A mulher era mostrada na multiplicidade de papéis sociais, mas de forma sempre altiva. Deu destaque à figura da mulata, que é a mistura entre negro e branco, deixando evidente o relacionamento "fecundo" entre as raças em um Brasil marcado pelas diferenças. Suas cores abundantes e o tema da mulher brasileira aparecem em obras como "Cinco mulheres de Guaratinguetá" (1930).
 
Também não podemos nos esquecer de Anita, já mencionada nestas linhas que foi a precursora do Modernismo no Brasil, quando Tarsila ainda se dedicava aos seus estudos em Paris.
 Todos esses artistas, autênticos, genuinamente brasileiros (de corpo, alma, coração e estômago) que não tiveram medo de romper com o velho, com o caquético, o antiquado, devem nos servir de inspiração para que possamos sempre acreditar em novas possibilidades. 

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